Conheci o Radamés pelo Henrique Cazes. É muito por causa dele que eu posso escrever essas linhas. Detalho.
Aos meus 16 anos, o Henrique me chamou pra tocar no grupo dele, numa temporada de shows na Funarte, Rio de Janeiro. Logo após a estreia, fomos direto para o Mistura Fina de Ipanema conhecer – no meu caso – e ouvir o Chiquinho do Acordeon. Eu nem imaginava que seria a única vez…
Chiquinho e Radamés, pra mim, são indissociáveis. Conheci um pelo outro, um através do outro, juntos e separados. Conheci o Radamés pianista, impressionante, pelo seu disco de piano solo, “Radamés Gnattali”, de 1984. Neste álbum, o Rada – os cariocas adoram encurtar as palavras e transformá-las em paroxítonas – gravou apenas outros compositores, como Pixinguinha, Tom Jobim, Edu Lobo e Marcos Valle. Ouvi muito Radamés e Chiquinho juntos no Quinteto Radamés Gnattali, ao lado de Zé Menezes, de quem me tornei próximo na fase final da sua vida. Mas desse eu ouvi muitas histórias, com ele fiz muitos shows, gravei seus últimos discos…Conheci Radamés também por ele.
Mas a música fala mais alto. Não há melhor maneira de conhecer um compositor do que ouvindo-o e tocando-o. Tocando suas composições, seus arranjos. Ouvindo sua música de concerto. Gravando suas obras. Tive a sorte de fazer isso muitas vezes, e ainda faço.
Em 1996 o Henrique Cazes me convidou para ser o acordeonista do Novo Quinteto, grupo idealizado por ele para dar continuidade ao som do Radamés Gnattali Quinteto, tocando os arranjos originais do Rada. Maria Teresa Madeira no piano, Omar Cavalheiro no contrabaixo, Oscar Bolão na bateria, o próprio Henrique na guitarra e eu no acordeon. Depois de dez anos de atividade e muita alegria por trazer de volta o som “hi-fi” do quinteto, gravamos o álbum “Radamés Gnattali 100 Anos”, em 2006, ano do centenário do Radamés. Neste mesmo ano, eu e Caio Márcio lançamos o álbum “Radamés em Companhia”, com as participações de Guinga, Zé Renato e Mauro Senise. Dessa vez, eu e Caio fizemos releituras de obras para violão solo, como a Tocata em Ritmo de Samba, o Estudo para Violão número 1 e o Estudo para Violão número 5. Gravamos também Amargura, Pé-de-Moleque e Valsa Triste, algumas de suas composições mais emblemáticas. No ano seguinte, 2007, gravei com o Leo Gandelman e o Novo Quinteto o álbum “Radamés e o Sax”, que levou o Prêmio de Música Brasileiro de melhor álbum instrumental, naquele ano. Ali foi privilegiada a obra para saxofone do Radamés, incluindo a Brasiliana número 7, peça em três movimentos, em forma de concerto. Outro momento inesquecível foi gravar ao vivo a peça que Tom Jobim compôs para o Rada, “Meu Amigo Radamés”, com a Osesp – Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, no também premiado álbum “Jobim Sinfônico”, de 2004.
Na música de Radamés transparecem sua modéstia e sua grandiosidade, sua timidez e sua impaciência. Sua generosidade, sua imensa sabedoria, mas também sua amargura. A beleza está ali, em muitas formas e cores. Mais que qualquer outro compositor que eu conheço, brasileiro ou estrangeiro, Radamés é o que melhor traduz o equilíbrio entre música popular e clássica. Não havia diferença, para ele. Tocava Chopin e samba-canção com a mesma facilidade. Tinha o mesmo respeito e admiração por Villa-Lobos e Pixinguinha. Sem que eu percebesse, curiosamente, minha relação com a música traçou o mesmo caminho.
Radamés chegou a mim por Henrique Cazes, Beto Cazes, Zé Menezes, Luciano Perrone, Oscar Bolão, Joel Nascimento, Paulinho da Viola, Tom Jobim, Norton Morozowicz, Leo Gandelman, Guinga, Caio Marcio, Yamandú. Somos todos herdeiros de Radamés.